segunda-feira, 26 de agosto de 1985

Um novo candidato (1)

Em crónica publicada há anos neste jornal, sob a epígrafe «PROGRAMA DE GOVERNO» (estava então o Governo AD presidido por Pinto Balsemão a prepará-lo para apresentação à Assembleia...), tive o prazer de dar a conhecer a personalidade ímpar de Isolindo Laranjinha (apresentado então sob o pseudónimo de «Jorze», para despistar...). Esse notável comerciante do ramo alimentar e vinícola a retalho, com secção de carvoeiro, é uma figura grada de Campolide, onde é universalmente reconhecido e estimado.
O que a AD fez depois — e os outros — viu-se. E tanta coisa se poderia ter evitado se tivessem sido seguidos os conselhos lúcidos e prudentes de Laranjinha... Alguns leitores poderão talvez lembrar-se do rigor e precisão do pensamento deste homem ilustre; não estando ainda nessa altura forjada a palavra «abrangência» ele já a exercia, mostrando logo por aí quanto estava avançado em relação aos tempos... O seu pensamento cobria aproximadamente, englobando-as, todas as posições do espectro político desde a do Camarada Arnaldo de Matos até à do prof. Freitas do Amaral. Isso sim, é que é abrangência.
 
Isolindo Laranjinha nunca quis concorrer a lugar de governo ou magistratura, ou sequer cargo em autarquia, onde pudesse exercer a sabedoria a que só tinham acesso os que se abeiravam do seu balcão. Nem os afazeres e cuidados do estabelecimento lho permitiam.
Mas a hora é grave, e é nas horas graves que os Homens do Destino se conhecem. Uma noite, já com o estabelecimento fechado e o televisor acompanhando a amena sueca entre amigos chegados e fixes — ao ouvir uma barbaridade de um político conhecido na TV, Laranjinha murmurou de forma audível:
— «Palermão! Para aquilo, até eu fazia melhor!...» e jogou copas.
Foi uma revelação.
No silêncio que se seguiu, denso, parou a sueca, parou tudo e os amigos entreolharam-se como se de repente tivessem visto algo de luminosamente evidente, ofuscantemente evidente.
Então, unanimemente, exclamaram:
— «É isso! Vamos propô-lo!»
Não vale a pena contar o que foram os dias seguintes em termos de actividade febril, primeiro informal, depois organizada na Comissão Nacional de apoio à Candidatura Presidencial e Patriótica de Isolindo Laranjinha (CNACPEPIL).
A natural resistência inicial, devida à intrínseca modéstia do (estou certo!) futuro Presidente de quase Todos os Portugueses, foi levada de vencida, recolhidas as assinaturas, cumpridas as exigências legais, etc.
 
É minha intenção, dentro do campo limitado das minhas possibilidades, ir relatando o progredir da campanha eleitoral de Isolindo Laranjinha até à sua inevitável e triunfal eleição. Em Campolide nada-se já em plena dinâmica de vitória, sob o exaltante slogan «UM CANDIDATO QUE É COMO UM VINHO NOVO PARA O PAÍS!».
 
Socorrer-me-ei de entrevistas directas, excertos de discursos eleitorais, intervenções em comícios, flashes e debates na TV, e também dos inestimáveis e profundos comentários de Zé Gama Leal (o «Barbas»), intelectual assessor de Laranjinha para os assuntos de relações públicas e marketing da imagem. «Barbas» é intelectual, apesar de, durante o dia estar ao balcão do ramo de ferragens e utilidades domésticas — mas lê o «JL», tem barba, cachimbo e «duffel-coat»; dá, portanto garantias.
É à noite depois da loja fechada que produz o melhor do seu pensamento, apoiando com a sua argúcia e profunda cultura o élan imparável do Candidato (a quem já todos familiarmente tratam já por Presidente...) «Presidente de Quase todos os Portugueses», como ele insiste em dizer, e explica porquê:
 
Laranjinha: — «Eu não serei presidente de chulos, calões e gatunos, e ele há-os por aí ó se há; esses vão chamar Presidente a outro que eu quero-me é com gente séria»
«Barbas»: — «Portanto, qué dizer, isto é, revela-se aqui nesta simples asserção todo um posicionamento, qué dizer, ético, que vai buscar o mais profundo da moral que fez grande esta Nação, numa propositura que à partida, portanto, é assim mesmo que as coisas são, qué dizer, alguém tem duvida? — se alguém tem dúvida diga, isto aqui é à franqueza!»
Laranjinha: — «Nem dos que passam cheques carecas como me fizeram no outro dia! Coirões, filhos-da-mãe. Esses que arranjem um Presidente lá da laia dos gajos...»
J. Pedro Barata: — «E a sua candidatura é verdadeiramente nacional?»
Laranjinha: — «Claro que é nacional, é de todo o País. Ele é a Rua de Campolide e a Vítor Bastos, ele é a General Taborda, o Páteo do Barão, tudo. E mais, claro! O Porto, por exemplo. Amarante, Cartaxo, o Dão (as terras Altas e a meia encosta), Alpiarça, Borba, Lagoa. Vidigueira, Sogrape, Colares, e o Algarve, e a Província; é preciso não esquecer a província. A província também é Portugal, eu sempre disse. Eu mesmo sou da província e vou lá muita vez por causa do melão e dos enchidos. Há bom chouriço na província, sabe?»
J. Pedro Barata: — «E as ilhas? A Madeira? Os Açores?»
Laranjinha: — «Portugal, pois claro. A Madeira não é aquela onde há um gajo que, ah!, ah! (aqui, o Candidato foi acometido de um ataque convulsivo de riso a um ponto tal que ficou roxo, congestionado, e nós todos com medo de qualquer coisa cardíaca porque ele ainda não fez o chek-up que os amigos lhe exigem, disfarçamos e fingimos falar de outras coisas. Ficámos assim sem conhecer de momento o pensamento de Laranjinha quanto à parte Atlântica do nosso território. Mas com tempo e calma, esse pensamento aparecerá, com a limpidez e originalidade que este Homem providencial põe em tudo o que diz ou faz).