Isto, proponho que seja inscrito
na orla das notas do Banco de Portugal, tal como, de modo análogo, se faz nos
maços de cigarros.
Porquê?
É evidente. Gastem dinheiro, gastem
dinheiro, comprem coisas à farta — e depois venham queixar-se da inflação:
Gastar dinheiro é perigoso, sempre me pareceu... mas então o Governo que o diga
claramente logo ali nas notas como faz nos cigarros, em vez de arranjar argumentos
oblíquos para falar de austeridade por um lado, e por outro lado esperar que
certos consumos aumentem para poder aumentar também as tributações (chama-se a
isso, nas direitas, «a reprise da actividade económica!...»)
Assim, o Governo assumiria com
clareza louvável mais uma das ambiguidades de todo o nosso sistema.
Repare-se: os Tabacos, um dos
sectores públicos mais florescentes, e o rendimento fiscal que dali vem para o
Estado é do tamanho que se sabe (e não é coisa de agora: lembremo-nos da importância
da chamada Questão dos Tabacos quando da queda da monarquia...). Mas, por outro
lado, o Governo enche-se de virtuosa benfeitoria curando da saúde dos cidadãos,
e até vai ao ponto de propor um «Dia do Não - Fumador». Deste modo a ambiguidade
que parece ser necessária à prática da governação mantem-se. O Governo fica
moralmente justificado, porque avisou, e cada um fica moralmente culpabilizado,
porque utilizou.
Ah! Então é assim?
Se é assim, tenho outras
propostas a fazer:
— «O governo adverte que o uso do
automóvel pode causar engarrafamentos e congestão nas estradas» (esta, é para
por junto às bombas de gasolina!)
— «O Governo adverte deque o uso
da televisão pode prejudicar a saúde mental.» (para por antes de cada Telejornal)
— «O Governo adverte de que comer
pode prejudicar a nossa balança comercial» (esta é para a porta dos
supermercados e mercearias).
Esta coluna, que se entende como
um espaço de refúgio último do bom-senso caseiro e vulgar, oferece algumas
sugestões no âmbito da saúde da vida cívica (ainda que sem chegar ao ponto de
recomendar uma saudável e atraente «desobediência cívica», porque para praticar
uma boa desobediência cívica é preciso ter profundos e arreigados hábitos de obediência
cívica, dos quais, infelizmente, nem nós — nem a Igreja! Nos podemos
orgulhar...)
Então, por exemplo:
No fim das declarações de
impostos, os contribuintes escreverão:
— «Os cidadãos advertem o Governo
que o mau uso deste dinheiro lhe acarretará dissabores».
Com o pagamento da taxa de
televisão, o utilizador mandará um papelinho impresso dizendo:
— «O telespectador adverte a RTP
de que qualquer taxa deve corresponder a um serviço decentemente prestado, e já
começa a estar farto»
Ao votar, o eleitor entregará ao presidente
da assembleia de voto uma «declaração de voto» neste sentido:
— «O eleitor adverte os eleitos
de que o mau uso dos poderes que lhes forem confiados por esta eleição poderá
prejudicá-los nas próximas eleições» (e não me digam que é anti-constitucional ou
outra parvoíce dessas, advertir os nossos eleitos acerca de coisa tão grave e importante.
Só os ditadores é que não podem ser advertidos! Serão os nossos eleitos
ditadores em potencial?)
Portanto (« Um País advertido
vale por dois» e «Quem me adverte meu amigo é»), cada um, avisado, saberá com o
que conta sem margem nem desculpa para dúvidas, e assumirá as suas
responsabilidades.
Eu, por exemplo, sinto-me tentado
neste momento, a prejudicar um bocado a minha saúde acendendo um cigarro
(nacionalizado) — sei que me vai fazer mal, mas que ajudo ao mesmo tempo o
Orçamento Nacional.
Estou advertido do perigo pessoal
que corro. Mas aproveito,pela minha parte, para advertir o Ministro acerca do
destino a dar à taxa resultante daquele meu sacrifício pessoal.
Atenção, Ernâni! Considere-se
advertido!...