Esta é uma época do ano em que em
Lisboa se adensa uma peculiar fauna, que aos olhos do alfacinha parece ser
apenas uma variante da espécie turística (e, de certo modo, é-o!).
É o chamado «consultor»,
«perito», «professor convidado», etc.
Distingue-se do turista corrente
que vem cá deixar dólares, marcos ou libras pelo seguinte: vem cá é sacá-los!
Teoricamente, o consultor vem deixar experiências, ciência, técnica, sabedoria
— mas a sua primeira e grande sabedoria é a de nunca ser pago em escudos.
O consultor pode vir a propósito
de tudo: pode vir atender às necessidades do Pais em filosofia neokantiana, em melhoramento
de galinhas poedeiras, em técnicas de fundição de materiais semi-condutores, em
astronáutica elementar, em relações financeiras com o Noroeste Asiático, tudo.
Pode vir às Universidades, aos departamentos de Estado, às grandes empresas
públicas e privadas, às pequenas empresas que prestam serviços às grandes
empresas (e que anunciam no Expresso e no Jornal).
Há um mercado internacional,
bastante saturado e competitivo. O francês, de Paris ou das universidades de
província, é o mais barato e mais comum para uso universitário; o inglês, de um
modo geral, dá um bom consultor, sólido, chato, mas relativamente em conta; os
técnicos holandeses, suecos e alemães são já mais caros mas de primeira
categoria; o luxo, claro, é americanos. Japoneses não há. Consultores Russos há
mas a gente não usa. Espanhóis e italianos até deve haver— mas quem é que se
lembraria de apresentar um consultor espanhol? Os italianos agora, depois do
Eco, não se sabe. Talvez.
Há quem use brasileiros mas, por
amor de Deus! Vamos lá... é preciso cuidado. Quanto ao nosso próprio produto,
tem sobretudo aceitação na Guiné e Cabo verde, e se for do LNEC, talvez até ao
Paquistão e América Latina. Adiante.
Como se vê, o mercado é o mercado
— não tem nada a ver com o real valor e competências — tem as suas regras
próprias. Vejamos como funciona, em alguns aspectos fundamentais:
RECRUTAMENTO — O consultor
aparece «por ser absolutamente indispensável o seu contributo para a elevação
do nível da nossa investigação» (isto, por parte do técnico/investigador/
doutorando etc. que trabalhou com ele no estrangeiro, e que precisa dele aqui como
prova viva do seu statu cientifico); aparece porque «É importante confrontar
alguma experiência estrangeira com o nosso próprio nível de realizações» (isto,
por parte dos departamentos públicos ou grandes empresas, para fazer ferro às
outras e mostrar que estão na jogada); aparece porque «Com o seu indiscutível prestígio
vem apoiar a nossa organização e mostrar os bons contactos que temos lá fora»
(isto, por parte dos gabinetes de estudos e prestação de serviços que podem
então pôr o seu nome em grandes letras nos anúncios).
Há, de certo modo, agências
oficiais de consultores — a OCDE, os organismos da ONU, a CEE, os organismos profissionais
internacionais. É-se menos enganado recrutando por aí os consultores. Por
ajuste directo é sempre arriscado, no estado actual do mercado. Aparece cada vígaro
que só visto!
ALIMENTAÇÃO — O consultor
«sorbonnard» antropólogo ou metafísico leva-se ao Bairro Alto, às tascas e ao Fado:
faz belas teses logo ali. O consultor Industrial ou de marketing — aos
restaurantes dos hotéis, e depois ao Casino do Estoril ao strip-tease, e está
certo. Os dos bancos e sociedades financeiras, à Tágide, ao Tavares ou ao
Grémio.
COMPORTAMENTO — O elemento que
conseguiu trazer o consultor afadigar-se-á pressuroso, Intimo e sorridente, mostrando-o
como coisa sua, própria, por todo o lado enquanto ele cá está. Tratá-lo-á, na
Universidade, por «mon cher Maître», ao que o «cher maître» responderá «Oui,
mon cher-comment-vous-appelez-vous-dejá? Oui, bien sûr!...»
O consultor digno desse nome não
procurará vender logo ali alguns volumes do seu último livro; dará sim alguns «hints»
de que é absolutamente necessário mandá-los vir, se se quiser que a sua vinda
frutifique.
FUNCIONAMENTO — O consultor dará
as suas lições, palestras, ciclos, seminários etc, em linguagem clara e
silabada (para os hotentotes perceberem). Dirá também algumas piadas simples,
para mostrar que não é um tipo inacessível. Cada ciclo, seminário, lição, etc.
corresponderá, de facto, aos primeiros capítulos da sua «opus magna» se por
acaso ela existe, ou ao último artigo que publicou nas revistas da especialidade.
Os hotentotes, provavelmente, àquela hora já leram a «opus magna» toda e já
anotaram todos os pontos fracos e duvidosos, mas não se dão por achados porque
nunca, nunca, se põe em xeque um consultor. Um dia, podemos nós ter que trazer
o nosso próprio consultor e não queremos que os outros o ponham em xeque com
perguntas inoportunas e embaraçosas.
Há maneiras para tudo entre gente
civilizada, caramba!
CURRICULUM — O consultor
acrescentará ao seu curriculum o ter dirigido/ assistido/ pronunciado/
aconselhado/ conduzido, a acção para que foi contratado. Convém dar-lhe um papelinho
com a designação correcta, senão, um dia, ver-se-á no curriculum do gajo coisas
deste tipo: «Directed seminar at Istitunto da Preduçao de Mila Hybrida do Portagala».
E é chato. Nunca sabem onde estão e confundem-nos sempre com Espanha ou
Marrocos. Portanto, leitor, já sabe: quando os vir sair, à noite para jantar,
ali do Tivoli (hotel muito frequentado por consultores) não os trate mal nem
tente (se essa for a sua actividade) impingir-lhes produtos locais tais como
bordados da Madeira ou galos de Barcelos — pode ser que eles sejam peritos que
nos vêm ensinar a produzir bordados da Madeira ou galos de Barcelos, e
gerar-se-ão situações delicadas para todos.