quarta-feira, 1 de agosto de 1984

Terrorismo (fiscal)

Sistema fiscal português é um «terrorismo legalizado», segundo a expressão de um ex-ministro das Finanças e estudioso da fiscalidade nacional.
Pessoalmente, a expressão parece-me forte demais; mas nunca duvidei que fosse legalizado, apesar de ameaçador.
Mas agora o gato saiu do saco: a denúncia é clara e de fonte autorizada, e não devemos menosprezar (como alguns intelectuais e pessoas bem intencionadas mas pouco esclarecidas fazem) a ameaça do terrorismo.
Muita coisa começa a explicar-se agora: muitos pequenos factos aparentemente sem importância e sentido começam a desenhar o enorme conluio.
Eu já suspeitava da existência de uma Internacional terrorista fiscal, apostada em atacar nas suas bases a sociedade civil e liberal em qualquer parte do mundo; e quem não se lembra já do horrível episódio da «taxa sobre o valor acrescentado» em França, do indescritível pavor do Inland Revenue que tantas vitimas fez nos Estados Unidos? Está tudo ligado, está tudo ligado. E que ligações obscuras não se pressentem entre o Imposto Complementar e a ETA-Militar ou o IRA irlandês? O impresso do Imposto Complementar parece-me agora explicado — ali anda o dedo de Herri Batasuna o do IRA, só gente dessa seria capaz de conceber um instrumento daqueles...
Mas haja calma!
Haja calma porque o Estado tem hoje mecanismos próprios de defesa contra o terrorismo (e mais terá quando for aprovada a Lei de Segurança).
 
Creio que as coisas se poderão passar assim: a denúncia feita nos jornais chega ao provedor de Justiça que alerta o ministro da A. Interna; este faz reunir a Comissão de Emergência em S. Bento; accionam-se os tribunais e as forças policiais especializadas e começam a funcionar silenciosa e eficazmente os dispositivos que a lei prevê. Depois, haverá de repente acções espectaculares preparadas no maior segredo: munidos de mandados de busca e captura em branco, as forças policiais entrarão à noite nas repartições de Finanças apanhando os gajos com a boca na botija a fazer horas extraordinárias. Selará os computadores, meterá pilhas e pilhas de declarações de impostos em sacos e apreenderá máquinas de somar como prova. O mal é que em operações destas arrisca-se a só apanhar o peixe miúdo, quando os cérebros não estão por ali — haviam de os procurar mais para o lado da R. da Alfândega, e apanhá-los todos de uma vez. Pôr, é claro, uns certos telefones sob escuta (se é que não o estão já...)
A opinião pública deve estar preparada para a eventualidade de cenas violentas, no caso de haver fanáticos que resistam. Pode acontecer, sei lá! que alguns se entrincheirem ali na repartição ao pé do Teatro Villaret, e os GAO tenham que cercar e tomar de assalto aquele reduto — o que pode dar azo a episódios de grande emoção: a Av. Fontes Pereira de Melo cortada ao trânsito, a TV cobrindo os acontecimentos em directo, as sirenes das ambulâncias, as ordens de rendição dadas pelos altifalantes, a negociação angustiosa para a libertação de contribuintes tornados como reféns, o assalto final com gases lacrimogéneos a que os terroristas sitiados respondem com raladas de 1.°s e 2.°s avisos, convocatórias e exames às escrituras. Um ou outro GAO poderá cair, atingido por multas e execuções fiscais, no cumprimento do dever. Civis espectadores podem ser atingidos com algum juro de mora ou adicional perdido no calor da luta — o combate antiterrorista não se faz sem o sacrifício de alguns.
Todos, de resto, devem colaborar nesta cruzada contra o terrorismo, qualquer que seja a forma insidiosa com que se manifesta esse flagelo das sociedades evoluídas contemporâneas.
 
Eu, por exemplo (e não é só para beneficiar das regalias dadas aos denunciantes e delatores, mas movido pelo mais puro interesse pelo bem público), vou fazer uma denúncia: sei dum sítio, entre a Av. Miguel Bombarda e a estação dos eléctricos do Arco do Cego, onde ostensivamente, como uma fachada, se diz que fazem moedas, mas eu sei que está cheiinho, cheiinho mesmo, de declarações novas em folha por preencher do Imposto Profissional-Mod. A., Imposto Complementar, Contribuição Industrial, e mais. Suspeito, ou até sei, que é dali que eles distribuem esse material aos activistas.
Perante isto, o Ângelo Correia sei eu que actuaria logo, zás, sem lhes dar tempo a respirar, como já deu provas antes.
O ministro Eduardo Pereira, não sei...