É bem conhecida a importância
desta coluna como serviço público, em certo sentido não inferior ao do
indispensável «Borda-d’água »…
Ora verificando através daquela
folha estimável que por esta altura chega o pato bravo e a narceja, na horta
semeia nabiça e couves, faz queimada de folhas velhas, semeia petúnias e
margaridas, parece-me que devo lembrar também que este é o tempo adequado para
semear novos municípios.
Vejamos.
Vêm as primeiras chuvas, acabaram
os fogos de Verão, foram-se embora os emigrantes em férias e os turistas,
reabre a Assembleia e os «pubs» de políticos na capital. Nas vilas os cafés
perdem a animação e há pouco que discutir, por outro lado, aproximam-se
eleições autárquicas e outras. Portanto, os tempos estão maduros. É a altura de
semear novos municípios, e, presumindo que apesar de tudo as pessoas ainda não
tenham grande experiência da vida autárquica concreta, vou explicar como é que
se faz.
Em primeiro lugar arranja-se um
pretexto. Há sempre pretextos, e qualquer um serve, para este fim. Por exemplo,
dizer que a Câmara só liga à sede do concelho e só lá é que faz benefícios nas
ruas, só lá é que há clube da segunda divisão, só lá é que pode ir pagar os
impostos ou só lá é que há cinema com filmes pornográficos aos sábados - e a
freguesia sente-se com direito a tudo isso. E claro que é imbecil mas serve!
A seguir procuram-se razões
históricas: o melhor de tudo é, de longe, descobrir que a freguesia já foi um
município daqueles que levaram uma machadada do Mouzinho da Silveira - isso é
ouro sofre azul! Mas se não for, os futuros munícipes não se preocupem: há
outras coisas que servem para justificar plenamente a importância histórica do
lugar. Há-de haver vestígios romanos (há-os por todo o lado!), há-de haver alguma
quinta ilustre, há-de haver, que diabo! a casa onde nasceu qualquer cidadão
importante. Procurem também, caramba! Não posso fazer tudo! Há-de haver pelo
menos um director-geral nascido na freguesia. Um coronel. Um capitão. Até um
jogador de futebol conhecido, em último caso...
Vem então a parte mais importante,
e aqui requer-se muito ourelo, muito olho vivo, aliado a uma apurada
sensibilidade ao sempre precário equilíbrio do poder nas forças vivas locais.
Trata-se de procurar cuidadosamente qual é o segundo partido mais forte no
município, e não precisa ser da oposição. Repare-se que é o segundo mais forte
que é preciso procurar aí no sítio, e não o mais forte, como mentalidades
ingénuas e pouco atentas ao fenómeno político poderiam supor. Porque é esse o
que vai fazer força para criar um municipiozinho onde, então, invocando a
gratidão popular, tenha chances de ser o primeiro votado...
Descobre-se a seguir nesse
partido quem são os elementos mais aptos a fazerem uma demagogia desenfreada e
sem o menor pudor (é útil passar em revista os comportamentos individuais em
eleições passadas). Esses são os que vão servir. É, de resto, o embrião da
futura vereação, e fica-se logo a saber com quem se vai contar.
Será então a alvura de fazer
proclamações, conferências de imprensa, cartazes nas estradas, representações a
S. Bento; em suma, fazer o maior estardalhaço possível, chateando meio mundo.
(Nós, aqui em Campolide, estamos a
pensar em cortar a Rua de Campolide ao trânsito, impedindo a passagem do 15 para
o Cais do Sodré e do 58, até sermos atendidos nas nossas justas reivindicações
de independência autárquica em relação a Lisboa, cuja Câmara nos vem
sistematicamente e acintosamente privando da Universidade, do aeroporto e da
pista de tartan a que temos inalienável direito - só um município nosso, muito
nosso resolverá esses nossos problemas!)
Um mês antes das eleições, mais
coisa menos coisa, se tudo tiver sido bem feito, está no papo. Municipiozinho criado,
pelo menos em promessa. Isto, se for semeado agora: depois das eleições e com
tempo seco, os municípios não pegam.
É agora o tempo apropriado.
Depois não digam que não avisei.