«Cultura» é que é, hoje.
Houve tempo em que qualquer
discussão sobre qualquer assunto acabava sempre por -«Ah! no fundo é tudo um
problema de economia - o económico é tudo!»
Depois, acabava-se por: «Deixemo-nos
de coisas; por mais que se queira, tudo se reconduz a urna questão política» («Politique
d'abord», maurrassianamente, chegou cá um bocado tarde - por causas óbvias,
presumo que só dentro da União Nacional se podia falar assim em voz alta).
Agora é diferente. Quando se
estabelece o silêncio ominoso em torno do problema insolúvel ou da questão
embaraçosa, o bom tom é dizer gravemente: - «Cultural. Tudo se resume a um
problema cultural, no fundo» (isto, mesmo que se trate da dívida externa ou da
produção de plásticos por extrusão).
Usando então daquela enorme
capacidade de síntese que os meus amigos me reconhecem desde a infância ou que
eu gostava que me reconhecessem, ou que pelo menos me dessem uma esperança, eu
avanço com uma proposta. Uma proposta que tem a beleza de ser simultaneamente
económica, política e cultural: a formação da EMPRESA NACIONAL DE CULTURA, como
empresa pública.
Uma empresa, com a sua lógica e
dinâmica próprias, pode activar, financiar, organizar e promover os aspectos da
vida da sociedade portuguesa que os ministérios, demasiadamente ocupados com os
aspectos administrativos e burocráticos correntes não podem assegurar (devendo
no entanto continuar a fazê-lo como base estável e executiva da máquina da
administração pública). Um jurista administrativo atento verá que basta passar
as atribuições e poderes da antiga JNE ou do actual IPPC para um instituto
púbico com autonomia financeira e juntar-lhe mais umas quantas clausulazitas
para ficar quase pronta a estrutura que eu proponho. Nem sequer é difícil. É
assim uma solução eminentemente política.
Por outro lado, com capacidade
para receber verbas próprias por via de transferências e comparticipações em
lucros, fica também com capacidade para injectar no sistema investimentos e
fundos com critérios empresariais de eficácia (que já se viu que a máquina do
Estado não tem!...). É assim una solução eminentemente económica. As direitas,
o CDS e o prof. Alfredo de Sousa nada teriam a objectar a esta visão.
Pôr a imaginação, a criatividade,
a erudição e a sensibilidade nos pontos-chave da vida nacional,
independentemente de pseudo-competências profissionais e especialidades (que
tem arruinado a nossa vida publica), é uma atitude eminentemente cultural. Tudo
é cultura!
Uma espécie de super-Gulbenkian,
nacional, púbica, total, sem a minhoquice e o limitado escopo da FCG. É preciso
ver em grande!
Imagine-se então!
Imagine-se só o que poderia ser.
Que esperança de renovação, que rajada de ar fresco!
Os problemas da indústria pesada,
construção e reparação naval e siderurgia são de uma complexidade que vai
buscar as suas raízes muito fundo; exigem uma capacidade de análise e perspectivação
que os tecnocratas que estão mergulhados no concreto daquelas situações não
podem materialmente ter. Ai, eu veria muito bem, p. ex., Eduardo Lourenço. Em
Sines, Herberto Helder.
Nas Finanças, domínio acentuadamente
esotérico e trans-realista, já se viu por de mais o que os especialistas de ato
cotumo que por lá têm passado conseguiram fazer. Ali quer-se outra coisa. Poria
as minhas esperanças mais em alguém com o perfil de Alexandre O'Neill, para
abrir novos caminhos. A agricultura, agarrada por Abelaira ou E. Prado Coelho,
levava uma volta, lá isso levava. Agricultura até, como o nome diz, é cultura;
e eles têm distanciamento crítico suficiente do mundo rural para o entender nas
suas estruturas, imagética e significantes.
Quanto ao Plano Energético, pergunto
a mim mesmo se as indecisões, nebulosidades, dificuldade na tomada de
resoluções no momento certo e isso tudo não precisam de alguém com sensibilidade,
coragem e máximo sentido do tempo. Maria João Pires estaria disponível? Se
alguém julga que atacar no momento justo a decisão entre o térmico e o nuclear
é mais difícil do que atacar um «fortíssimo» num concerto beethoveniano, é que
não é uma pessoa culta.
À Sophia de Mello Breyner eu confiaria, de
caras, a orientação da electrónica e a entrada pelas médias tecnologias, agora
que parece avizinhar-se a CEE. Não é, certamente, a tribo do transistor e do
«byte», que tem visão e criatividade para isso, dentro do seu horizonte de «micro-chips».
Sophia, evidentemente, não teria que escrever em Fortran ou Cobol; para isso lá
estão eles.
Romper a «grisaille», da
Educação, a inércia, a falta de inventiva... Ohl há tanto por onde escolher:
Solnado, Zeca Afonso, Eunice... Apoiados em meios e técnica empresarial dariam
a este País, finalmente, uma educação.
Agustina, conduzindo
sibilinamente as relações e exteriores através da fenda na muralha; Eugénio de
Andrade, com a sua autoridade e visão, pondo ordem na Saúde e Assistência: a
imaginação ao Poder, definitivamente, como se reclamava em 1968 mas não se fez
nada depois (os revolucionários fizeram-se escriturários - os que restam são os
do tipo que indico, os que não se venderam...)
Mas há áreas culturais que têm
estado erradamente confiadas a intelectuais e contemplativos ineficazes - aí,
requerem-se outros perfis: a busca lenta e cuidadosa de obras de jovens autores
não publicados, o apoio e promoção das pequenas colectividades locais, o
auxílio discreto e eficaz à banda desenhada e ao cinema amador (Veiga Simão?
Rocha de Matos?); o apoio à música erudita, à investigação arqueológica, às
academias e associações não lucrativas com finalidade cultural (Ernâni Lopes?).
Tudo é Cultura. Tudo, no fundo, é
Cultura.
Ponham-se as pessoas certas nos
lugares certos (que nem sempre são os que parecem), e dêem-se-lhes meios. Então
teremos outro País.
Agora, atenção! No caso, improvável,
mas possível de a ENC (EP) vir a dar lucros, nunca, nunca deveria ser
desnacionalizada e vendida ao grupo Champalimaud, ou outro.