sexta-feira, 8 de junho de 1984

Ar Condicionado (1)

«The Air-conditioned nightmare» (O pesadelo com ar condicionado) é o título de um romance de Norman Mailer sobre os Estados Unidos. O pesadelo não é o que nos interessa aqui, mas sim o facto de ser um pesadelo com ar condicionado. «Air», é aquela substância que se respira obsessivamente dentro dos edifícios norte-americanos mudando apenas de contextura e cheiros desde os grandes edifícios altíssimos até aos supermercados, «malls», edifícios públicos e às casas das periferias intermináveis (aquelas «frame-houses» que vemos nas séries americanas sem nos apercebermos de que a «Frame» de madeira treme leve e continuamente com a vibração do aparelho condicionador instalado no «basement»...)
 
Tratar o ar que se respira dentro dos edifícios, filtrando-o, humedecendo-o ou secando-o, arrefecendo-o ou aquecendo-o, é uma operação necessária, tanto em situações extremas de clima adverso como em situações que exijam rigorosa estabilidade do ar ambiente (instalações médico-cirúrgicas, cientificas, tecnológicas...). O engenho e a técnica têm permitido resolver grandes problemas nesse domínio, e criar «condições» ao ar interior que, naturalmente, não poderiam ser obtidas.
Procura-se também oferecer conforto ambiental à vida quotidiana, nas casas e locais de trabalho. Para isso, trabalha toda uma indústria e batalhões de técnicos, projectistas e instaladores. E inevitavelmente, entre nós, está a generalizar-se o uso do condicionamento do ambiente nos escritórios, fábricas, habitações e lugares públicos. Há até uma empresa portuguesa que se anuncia, curiosamente, como «fábrica de ar condicionado» — uma observação atenta mostra que ela não fabrica «ar» e sim aparelhos para o tratar, o que já é mais tranquilizador...
De uma maneira ou de outra, vamo-nos todos acostumando ao ventinho que sopra das grelhas na parede. Todos? Todos, não. Há pessoas que se sentem muito mal com o ambiente posto «sob condição»: sentem dores de cabeça, respiram mal, tem afecções cutâneas…
 
Que se passa? Enquanto os técnicos, eficientíssimos e sapientíssimos estão ocupados com os gráficos e cálculos e não nos ouvem, conversemos sobre estes assuntos «à paisana». Aqui entre nós; falaremos de coisas que os poderiam irritar...
 
Tabaquiemos e discutamos então, como dizia Camilo.
 
Nos antigos textos acerca do yoga, aconselham-se os que querem meditar nas melhores condições a fazê-lo perto de uma cascata, ou numa caverna, ou melhor ainda, numa caverna sob uma cascata.

Ora, a ciência moderna chega agora à conclusão de que o ar negativamente ionizado se apresenta extremamente mais estimulante e saudável que o ar neutro ou positivamente ionizado. (Um ião livre é, para falar sumariamente, uma molécula que ganhou ou perdeu um electrão; se ganhou, é um ião negativo, se o perdeu, é um ião positivo). Homens de ciência soviéticos, D.A. Lapitsky e A.L. Tchishevsky provaram satisfatoriamente com animais, em laboratório, a fundamental importância da concentração de iões negativos no ar para a sobrevivência das formas de vida animal. E na Natureza, onde é que se produzem maiores ionizações negativas? Com as faíscas durante as trovoadas, com o bater das ondas do mar nas praias, e junto às quedas de água (oh! oh!...)
 
Vamos lá a ver como se distribuem as concentrações de iões negativos em algumas situações familiares:
SITUAÇÃO                                                                                                        (-) IÕES POR Cm CUBICO DE AR
Escritório em edifício de estrutura de aço ou B.A.,
com ar condicionado central                                                                         0-250
Interior de um avião                                                                                       20-250
Ar de uma sala fumarenta, fechada                                                             0-250
Ar normal, dentro de casa                                                                             250-500
Ar exterior, na rua de uma cidade industrializada                                    250-750
Ar em campo aberto                                                                                      1000-2000
Ar junto ao mar agitado de uma praia                                                        2500-10000
Dentro de cavernas (ah!... hum!)                                                                 5000-20000
Junto a quedas de água (hum! hum!)                                                         25000-100000
 
Parece que o mínimo aconselhável, ou desejável, para viver, trabalhar e dormir se situa na ordem dos 1000 a 2000. Mas, das «condições» introduzidas pelo ar «condicionado — resulta que ele rapa ao ar os seus belos iõezinhos negativos — se a essa condição se juntarem os efeitos de Gaiola de Faraday ligada à terra constituída pelas armaduras do betão armado, e o efeito de absorção dos iões negativos pelas alcatifas, estofos de plástico e vernizes que se carregam positivamente, vê-se que as condições desse ar são muito duvidosas...
De 0 a 100 iões/cm, é um ar praticamente «morto», causa depressão e mal-estar, e os microrganismos desenvolvem-se nele perfeitamente. Nada que se pareça com o teor de mais de 50000, excecionalmente revigorante e bactericida.
 
Sendo assim, o leitor tirará talvez as mesmas conclusões que eu, ou parecidas:
a) Que os velhos sábios budistas e yogi eram realmente muito sábios 
b) Que há uma acentuada falta de espaço sob as cachoeiras disponíveis com caverna anexa nos dias de hoje (pelo menos ao pé de Lisboa, onde não achei nada que me conviesse)
c) Que realmente se respira melhor no alto das montanhas, junto à rebentação das ondas do mar, no meio de florestas de coníferas, do que em salas enfumaradas, ruas cinzentas de poluição atmosférica e espaços com ar condicionado de má qualidade; e que para isso não era preciso fazer investigações; toda a gente, toda a gente sabe isso de cor e salteado.
d) Que agora, porém, o leitor tem algumas boas razões para suspeitar porque é que é assim...
 
Então, no próximo artigo, prosseguiremos e talvez possamos observar, desenfadadamente, outras coisas interessantes.