segunda-feira, 18 de junho de 1984

Ar condicionado (3)

Nesta conversa sobre o ar condicionado que estamos a ter enquanto os seus especialistas estão distraídos com as suas fórmulas e tabelas, e portanto podemos falar à vontade sem os irritar, aparece depois o problema da economia. Aqui, é bom falar baixo, porque eles, que são competentíssimos e tecnicíssimos, não gostam geralmente que se divague sobre estes aspectos. (Quando digo «Eles», é modo de dizer, porque evidentemente há um número importante de técnicos sensibilizados correctamente para estes problemas...)
 
Nos muito vastos sistemas centralizados que têm que fornecer condições diferenciadas a zonas diversas de grandes edifícios, a moda técnica é a de proceder por mistura de ar quente e frio. O leitor, talvez ingenuamente, pensará: se eu quero aqui ar um pouco mais quente do que agora está, basta aquecê-lo um bocadinho! Ou se quero ar um pouco mais frio do que está agora, basta arrefecê-lo levemente! Como está atrasado, caro leitor! O que um macro condicionador fará, hoje, é dispor de um reservatório de ar sobre aquecido e de outro de ar sobre arrefecido, e fornecer-lhe-á mistura na conta que lhe agrada. Mais ainda! Até se não desejar nenhuma variação, se se sentir confortável tal como está - recebe ar que é uma mistura de ar aquecido e arrefecido, até estar como já estava... Inteligente, não é?
 
Imagine o leitor que sempre que quisesse um pouco de água morna para fazer a barba, fosse buscar gelo ao frigorífico e o temperasse com água a ferver até estar na conta!...
Depois estes rapazes vêm, e dizem-nos que há crise energética.
Há certamente uma grande crise de tino e de bom senso, lá isso há! À pala do álibi das tecnologias.
 
Não é possível ter no vigésimo oitavo piso de uma torre de escritórios, o nível de conforto que se tem nos baixos de uma casa alentejana durante o tórrido Verão, em semiobscuridade, com o chão de pedra lousinha juncado de fresco com junco cortado de manhã nas charcas, e a companhia facultativa de um jarro de sangria (melhor é experimentá-lo que julgá-lo, mas já agora quem não puder experimentá-lo que o julgue...). O ar condicionado é sempre uma coisa artificial; como tal tem os seus defeitos e os seus méritos. É algumas vezes totalmente indispensável, é frequentemente vantajoso, e é outras vezes tolerável, apenas. Deve ser usado com inteligência com senso, e não como um facto de moda ou afirmação de «standing» social.
Deve ser algo que vem em socorro da resolução de certos problemas, e não uma rotina adquirida tolamente. E não pode esconder-se que grande parte da responsabilidade pelo uso inadequado e abusivo dos sistemas mecânicos de tratamento do ar ambiente se deve a insuficiências e erros na concepção arquitectónica dos edifícios: à incúria ou ignorância de muitos arquitectos se ficam a dever os erros praticados pela engenharia do ar canalizado.
 
Mas já que estamos a conversar sobre aspectos da economia, toquemos em alguns aspectos bem pouco nobres disto tudo: a técnica e o comércio já se aperceberam da falta que faz um certo grau de ionização negativa nos ambientes quotidianos - o espirito mercantil não iria deixar passar esta oportunidade de ganhar dinheiro! No estrangeiro (entre nós julgo que ainda não!...) anunciam-se e vendem-se uns aparelhinhos ridículos em forma de pirâmide, para ligar à corrente. São lenhadores domésticos, apresentados como grande descoberta da técnica sanitária.
 
É giro. É como o pão que comemos, ao qual a moagem excessiva e o branqueamento químico tiraram todos os princípios vitamínicos e activos, que lhe são depois adicionados, sintéticos, com grande cópia de inertes e outros aditivos para encher. Ao ar encanado que nos fabricam parece que acontece o mesmo: tiram-lhe primeiro tudo o que é bom, natural e saudável - e, mediante pagamento adicional, juntam-lhe depois, artificialmente, o que lhe foi retirado.
 
Bem. É a civilização. Dizem-nos que é.
Pelo menos, é um aspecto das suas consequências, e não o mais atraente.